Liberdade
Ao contrário do que nos querem fazer crer, não nascemos livres. A liberdade precisa de ser conquistada, e começa dentro de nós. Não é a democracia, nem o direito de voto, nem o 25 de Abril que nos concede liberdade. Não somos livres porque podemos expressar-nos sobre o que bem entendemos, nos termos que entendemos adequados, ou porque podemos ir e vir quando nos convém. Também não somos mais livres ao atingir a maioridade, ou ao receber o nosso primeiro salário. Não somos livres por ter a confiança de um banco que acede a emprestar-nos somas de dinheiro para viagens ou projetos. Não somos sequer livres durante essas viagens, porque no regresso há que comparecer aos lugares aonde nos esperam. Também não é no livre exercício das nossas preferências, dos nossos gostos, da nossa sexualidade, que encontramos a liberdade.
A liberdade vem de dentro, é de nós para connosco próprios. A liberdade é uma coisa do espírito, uma aceitação de tudo o que nos rodeia, a compreensão de que os únicos limites partem de nós. A liberdade perde-se com a culpa, com arrependimentos, com contrariedades, com frustrações. Tantas vezes a temos na mão, como única solução, e permitimos que nos subjuguem.
Há dias, no Live da página de Instagram “Literacidades”, o convidado e autor Norberto Morais mencionava um episódio interessante passado em África. Um macaco que caía na armadilha de segurar um punhado de amendoins dentro de um tronco oco de árvore. Com a mão aberta, é possível inseri-la e removê-la do tronco. Com o punho fechado, tal é impossível. O macaco ficava ali, incapaz de se libertar do desejo de comer os amendoins. Bastava-lhe abdicar dessa preferência para se ver livre de novo, livre, inclusive, para procurar outro alimento, melhor, quem sabe. Os humanos também são assim.
O coronavírus mostrou-me que não era livre. Todos os meus passos estavam cronometrados. Tinha um horário a cumprir de segunda à sexta, o que, por sua vez, me limitava o fim-de-semana. Tinha horário para acordar, uma janela de tempo para sair de casa, um autocarro que não podia perder, depois outro, depois outro. Hora para me apresentar ao serviço, hora para almoçar, hora para regressar, hora para sair, hora para passar o cartão de transportes no comboio, no barco, no metro. Hora para me deitar, se no dia seguinte quisesse ser capaz de cumprir tudo de novo. Onde há espaço para liberdade no meio desta rotina? Que liberdade era a minha? A de me demitir? Mas e depois? As restantes obrigações? Pagar contas, honrar compromissos?
E o marketing, que nos acorrenta a produtos de que não necessitamos? Que liberdade é a nossa perante as ideias que nos são impostas? Que capacidade temos de nos defender da pressão dos tempos, quando a Educação formata, a sociedade direciona, o governo, desorientado, orienta, e os pais aconselham?
Pensemos no que, para nós, significaria ser livre. Vão ver que não há muito espaço para liberdade no dia-a-dia.
Texto da autoria de: Célia Loureiro