A Liberdade de... /i.
[Agradeço a amabilidade da autora do sempre agradável e acolhedor Blog Liberdade aos 42, a generosa e simpática MJP, por me ter endereçado o convite para tentar escrever umas singelas linhas sobre a imprescindível Liberdade. Muito obrigada.]
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade
Enquanto não alcances,
Não descanses,
De nenhum fruto queiras só metade.
(...)
Miguel Torga, Sísifo (Diário XIII)
A liberdade. O paradoxo da liberdade. Tal como a sabedoria, a liberdade requer prática.
Pensemos na liberdade humana. A liberdade humana está relacionada com os limites próprios da nossa condição. Assim, a acção humana está sempre implicada num conjunto de condicionantes que lhe oferecem o seu enraizamento concreto e demarcam a sua amplitude. Por sua vez, essas condicionantes são de diversas ordens: genéticas e biológicas, espaciais e temporais. Podemos classificar a nossa liberdade de "meramente humana", pratica-se na relação com uma variedade de factores e de circunstâncias que aparentemente vão anulá-la, contudo, somente a restringem e a circunscrevem.
Durante uma parte da nossa vida entendemos e vivemos o conceito de liberdade com a lente de aumentar ou de diminuir de quem tem a obrigação de nos educar: mãe, pai ou ambos (e em muitos casos por infortúnios da vida essa responsabilidade é assumida por avós, tios e padrinhos). Sem nunca esquecer que voluntária ou involuntariamente é nos clarificado que há uma liberdade para a mulher e outra para o homem. Porque assim deve ser, ou não, somos levados a agir de acordo com a consciência de outrem. Escolhem por nós, seguimos objectivos que decidiram por nós, o livre arbítrio é-nos condicionado, porque assim deve ser, ou não. Vivemos uma liberdade de ilusão. Apesar disso, em certos momentos somos mais felizes, só mais tarde percebemos que éramos felizes e não sabíamos.
Quando nos sentimos contrariados por seguirmos os sonhos que não são os nossos e quase nenhuma liberdade temos para não cumprir os compromissos: tocar piano porque o pai quer e sabemos que não temos o mínimo jeito para ser o futuro Mozart; participar em tudo o que é audição para ser protagonista infantil da próxima produção teatral do encenador Filipe La Féria só porque a mãe nunca conseguiu e a filha vai ser actriz temporariamente porque sim; o hábito de certas mães na imposição da bendita catequese, porque filha minha tem de ter todos os sacramentos da Igreja Católica Apostólica e Romana. Mais tarde rebenta a bolha, a tal bolha da proteção de decidir por nós, sem o cuidado de ir dando gradualmente autonomia para as escolhas dos nossos hobbies, vai criando dependência emocional e na altura de fazer uma escolha simples temos de pedir auxílio devido ao grau de insegurança que a liberdade ilusória nos tem sujeitado.
(Exemplo: Vais praticar judo, no entanto, podes desistir dessa actividade extra caso não gostes, porém já paguei a anuidade e esta modalidade impulsiona a disciplina e o espírito de grupo).
Chegados à fase adulta em que questionamos tudo, procuramos saber que liberdade queremos, apercebemo-nos que vivemos em piloto automático, por isso, cumprimos compromissos decididos e influenciados pela consciência de quem nos educa: seguimos a profissão da família sem hipótese de ser outra; mantemos um casamento morto e enterrado; continuamos num emprego que nos faz mais mal do que bem (excepto o salário que religiosamente "cai" na conta bancária no dia de São Receber). Impelidos pela liberdade dos outros, somos frustrados e condenados vivendo em liberdade.
E como nos libertar destas amarras asfixiantes de termos uma espécie liberdade condicional? Simples: devemos escolher o certo e não optar pela escolha urgente. Frequentemente, para não desiludirmos, ou ter sentimentos de culpa ou pelo medo censuramo-nos e aprisionamo-nos na nossa própria teia que vamos tecendo em torno da liberdade, escolhemos e agimos no imediato para agradar a terceiros ou simplesmente se falharmos não somos crucificados, pois escolhemos o urgente que se adequa ao nosso influenciador e não escolhemos o caminho mais certo para nós.
Porém, enalteço o seguinte: Não raras são as vezes que não são os outros que condicionam a nossas escolhas, mas antes somos nós que impomos barreiras mentais que nos desencoraja a seguir a escolha que é melhor para nós.
Por outra via, a noção de liberdade não é estanque. Logo, naturalmente a nossa visão de liberdade vai sofrendo adaptações e aperfeiçoamentos resultantes das vivências do passado e das experiências adquiridas no momento presente, podendo ser o resultado da continuidade na forma como fomos livres na essência ou da cisão da forma como totalmente fomos condicionados no nosso ser ao agirmos em desacordo com o nosso ponto de vista, interesses, gostos ou sensibilidade. Isto é, seremos mais ou menos livres mediante o que fomos e fizemos no passado, o que somos e fazemos no presente e o que seremos e faremos no futuro imediato.
Os clássicos diziam: "in libertas perfundet omnia luce", ou seja, a liberdade enche tudo de luz, desta feita, temos de ser capazes de procurar a libertação, em vez de procurarmos a liberdade ilusória e abstrata. A liberdade é um processo de libertação em constante melhoria, como é fácil de entender.
Termino como comecei: A liberdade. O paradoxo da liberdade. Tal como a sabedoria, a liberdade requer prática.
Como a Simone de Beauvoir escreveu: "O ser humano é livre; mas encontra a sua lei na própria liberdade. Primeiro deve assumir a sua liberdade e não fugir dela, assume-a por um movimento construtivo; não se existe sem fazer".
Finalizo insistindo na tónica: temos de lutar todos dias pela liberdade que queremos para sermos mais felizes e realizados. A liberdade está em permanente conquista.
Texto da autoria de: /i.