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Liberdade aos 42

Liberdade aos 42

10
Jan20

A Liberdade de... /i.


[Agradeço a amabilidade da autora do sempre agradável e acolhedor Blog Liberdade aos 42, a generosa e simpática MJP, por me ter endereçado o convite para  tentar escrever umas singelas linhas sobre a imprescindível Liberdade. Muito obrigada.]

 

Recomeça…

Se puderes, 

Sem angústia e sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro 

Do futuro, 

Dá-os em liberdade

Enquanto não alcances, 

Não descanses,

De nenhum fruto queiras só metade.

(...)

Miguel Torga, Sísifo (Diário XIII)

 

A liberdade. O paradoxo da liberdade. Tal como a sabedoria, a liberdade requer prática. 

Pensemos na liberdade humana. A liberdade humana está relacionada com os limites próprios da nossa condição. Assim, a acção humana está  sempre implicada num conjunto de condicionantes que lhe oferecem o seu enraizamento concreto e demarcam a sua amplitude. Por sua vez, essas condicionantes  são de diversas ordens: genéticas e biológicas, espaciais e temporais. Podemos classificar a nossa liberdade de "meramente humana", pratica-se na relação com uma variedade de factores e de circunstâncias que aparentemente vão anulá-la, contudo, somente a restringem e a circunscrevem. 

Durante uma parte da nossa vida entendemos e vivemos o conceito de liberdade com a lente de aumentar ou de diminuir de quem tem a obrigação de nos educar: mãe, pai ou ambos (e em muitos casos por infortúnios da vida essa responsabilidade é assumida por avós, tios e padrinhos). Sem nunca esquecer que voluntária ou involuntariamente é nos clarificado que há uma liberdade para a mulher e outra para o homem. Porque assim deve ser, ou não, somos levados a agir de acordo com a consciência de outrem. Escolhem por nós, seguimos objectivos que decidiram por nós, o livre arbítrio é-nos condicionado, porque assim deve ser, ou não. Vivemos uma liberdade de ilusão.  Apesar disso, em certos momentos somos mais felizes, só mais tarde percebemos que éramos felizes e não sabíamos. 

Quando nos sentimos contrariados por seguirmos os sonhos que não são os nossos e quase nenhuma liberdade temos para não cumprir os compromissos: tocar piano porque o pai quer e sabemos que não temos o mínimo jeito para ser o futuro Mozart; participar em tudo o que é audição para ser protagonista infantil da próxima produção teatral do encenador Filipe La Féria só porque a mãe nunca conseguiu e a filha vai ser actriz temporariamente porque  sim; o hábito de certas mães na imposição da bendita catequese, porque filha minha tem de ter todos os sacramentos da Igreja Católica Apostólica e Romana. Mais tarde rebenta a bolha, a tal bolha da proteção de decidir por nós, sem o cuidado de ir dando gradualmente autonomia para as escolhas dos nossos hobbies, vai criando dependência  emocional e na altura de fazer uma escolha simples temos de pedir auxílio devido ao grau de insegurança que a liberdade ilusória nos tem  sujeitado. 

(Exemplo: Vais praticar judo, no entanto, podes desistir dessa actividade extra caso não gostes, porém já paguei a anuidade e esta modalidade impulsiona a disciplina e o  espírito de grupo). 

 

Chegados à fase adulta em que questionamos tudo, procuramos saber que liberdade queremos, apercebemo-nos que  vivemos em piloto automático, por isso, cumprimos compromissos decididos e influenciados pela consciência de quem nos educa: seguimos a profissão da família sem hipótese de ser outra;  mantemos um casamento morto e enterrado; continuamos num emprego que nos faz mais mal do que bem (excepto o salário que religiosamente "cai" na conta bancária no dia de São Receber). Impelidos pela liberdade dos outros, somos frustrados e  condenados vivendo em liberdade.

E como nos libertar destas amarras asfixiantes de termos uma espécie liberdade condicional? Simples: devemos escolher o certo e não optar pela escolha urgente. Frequentemente, para não desiludirmos, ou ter sentimentos de culpa ou pelo medo censuramo-nos e aprisionamo-nos na nossa própria teia que vamos tecendo em torno da liberdade, escolhemos e agimos no imediato para agradar a terceiros ou simplesmente se falharmos não somos crucificados, pois escolhemos o urgente que se adequa ao nosso influenciador e não escolhemos o caminho mais certo para nós. 

Porém, enalteço o seguinte: Não raras são as vezes que não são os outros que condicionam  a nossas escolhas, mas antes somos nós que impomos barreiras mentais que nos desencoraja a seguir a escolha que é melhor para nós. 

Por outra via, a noção de liberdade não é estanque. Logo, naturalmente a nossa visão de liberdade vai sofrendo adaptações e  aperfeiçoamentos resultantes das vivências do passado e das experiências adquiridas no momento presente, podendo ser o resultado da  continuidade na forma como fomos livres na essência ou da cisão da forma como totalmente fomos condicionados no nosso ser ao agirmos em desacordo com o nosso ponto de vista, interesses, gostos ou sensibilidade. Isto é, seremos mais ou menos  livres mediante o que fomos e fizemos no passado, o que somos e fazemos no presente e o que seremos e faremos no futuro imediato.

Os clássicos diziam: "in libertas perfundet omnia luce", ou seja, a liberdade enche tudo de luz, desta feita, temos de ser capazes de procurar a libertação, em vez de procurarmos a liberdade ilusória e  abstrata. A liberdade é um processo de libertação em constante melhoria, como é fácil de entender. 

Termino como comecei: A liberdade. O paradoxo da liberdade. Tal como a sabedoria, a liberdade requer prática.

Como a Simone de Beauvoir escreveu: "O ser humano é livre; mas encontra a sua lei na própria liberdade. Primeiro deve assumir a sua liberdade e não fugir dela, assume-a por um movimento construtivo; não se existe sem fazer".

Finalizo insistindo na tónica:  temos de lutar todos dias pela liberdade que queremos para sermos mais felizes e realizados. A liberdade está em permanente conquista.

 

Texto da autoria de: /i.

 

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