A Liberdade de... João Silva
Liberdade aos 42…km
Este título é uma forma de condensar um triplo agradecimento: à MJP pelo convite e pela “oferta” deste espaço, à minha esposa pela perspicácia de me ter “escolhido” um assunto que me diz muito, e, por último, ao desporto que me ajudou a encontrar uma segunda vida.
A liberdade física sempre fez parte da minha vida, mas a psicológica escapou-me durante anos.
No entanto, no dia 04 de novembro de 2018, com 30 anos, consumei a minha libertação definitiva.
Quando, ao fim de 42,195 km, cruzei a linha de meta no Porto, foi-me entregue a chave da liberdade…sob a forma de lágrimas, porque esse sentimento é, antes de mais, isso mesmo, uma reação do corpo que não pode ser reprimida.
Ali não as segurei e libertei tudo o que tinha em mim: desde a infância conturbarda à idade adulta marcada por grandes períodos de obesidade. Foram dois anos de muito trabalho para chegar àquele momento de realização pessoal e para me mostrar que não precisava de ser refém do meu passado.
Naquele momento, pensei precisamente: estou livre…de mim, do meu passado, do passado da minha família, das minhas origens, da minha cabeça e do meu pensamento.
No meu entender, sou um afortunado por ter crescido num país livre e isso é, antes de mais, algo que não se controla verdadeiramente devido a diversos fatores.
No prisma pessoal, é possível viver em liberdade mas estar preso. Aquele dia chuvoso no Porto consumou a minha libertação e deu-me a liberdade de perceber quem eu era verdadeiramente e para onde queria ir.
É verdade, foi mesmo preciso correr 42 km para sentir que tinha deixado a opressão a que fui submetido mas também aquela que eu próprio criei à minha volta.
No final de contas, tudo o que escrevi acima congrega na perfeição a minha ideia de liberdade: do ponto de vista físico, o “dom” de poder estar sem ter de assinalar a minha presença; e, no campo psíquico, a capacidade para desbloquear as prisões que nos impingem mas que nós também deixamos e ajudamos a erigir.
A liberdade é um bem, talvez o maior de todos. É possível ser-se muito feliz sem dinheiro ou com muito pouco, diria mesmo que é precisamente assim que se é verdadeiramente feliz. No entanto, sem a liberdade e a sensação de ser e estar livre, é impossível ter uma vida marcada pela felicidade.
Voltando àquela maratona do Porto, foi a ocasião da minha vida (não a única, felizmente) em que consegui unir liberdade e felicidade. Se em 2015 não me tivesse soltado das amarras, hoje não teria a maior sensação de liberdade na minha vida.
Ser livre é poder sem ter.
Texto da autoria de: João Silva