A Liberdade de... Maria
A MJP pediu-me um texto sobre a Liberdade de...
Fiquei honrada pelo convite para escrever numa casa que não a minha.
“Todas as vitórias ocultam uma abdicação.”
Simone de Beauvoir
“Liberdade, liberdade quem a tem chama-lhe sua,
eu não tenho liberdade nem para pôr os pés na rua”
Meu avô trauteava esta canção quando eu era criança. Tinha imensa pena da senhora, sempre assumi que fosse do sexo feminino, pois eramos educadas para ser recatadas.
Eu tinha tanta liberdade pensava.
Vivia numa ilha e numa cidade pequena, não se falava de pedofilia nem de raptos.
A rua era o meu mundo, onde jogávamos ao berlinde, corríamos o arco, jogávamos à macaca, saltávamos à corda, e de vez em quando “pregávamos” umas partidas aos vizinhos.
Só havia uma regra, o horário de regressar a casa, imposto pela mãe, tinha de ser cumprido ao segundo, qualquer atraso significava dias sem sair. Aconteceu apenas uma vez, tentei negociar, um açoite em vez do castigo, a resposta foi não, fiquei 3 dias sem sair.
E assim fui crescendo convencida que tinha liberdade.
Um dia, no 7º ano do liceu, num teste de OPAN, para os mais modernos – Organização Política e Administrativa da Nação – armada em intelectual, referi que a Constituição de 1933 tinha sido inspirada nos ideais fascistas de Mussolini.
O que fui escrever! Fui chamada à reitoria, o Reitor, um gentleman, alertou-me para a gravidade do que escrevera.
Meu pai também foi chamado e alertou-me que havia determinados assuntos que não se podia referir.
E assim, descobri que a tal liberdade que pensava ter era muito relativa, estava apenas associada à responsabilidade é à confiança que tinham em mim.
A verdadeira liberdade, a de pensamento, não me era permitida.
Já em casa, meu pai falou-me que na Colónia Penal do Tarrafal, que ficava na ilha onde vivia, havia muitos presos, com histórias sinistras e humilhantes, porque tinham ousado desafiar o poder vigente.
Foi quando percebi que uns nunca se deixavam subjugar, preferiam perder a liberdade numa prisão, que perder uma outra liberdade muito mais importante - a de pensamento e do sentido crítico - pois só assim seriam verdadeiramente livres.
Muito obrigada, MJP
Texto da autoria de: Maria