02
Abr21
A Liberdade de... o cunhado
Profundamente honrado pelo convite da autora para escrever sobre liberdade, resolvi dissertar sobre a minha aquando criança, a que conheço porque, porventura, qualquer outra que exista nunca ninguém fez o favor de ma apresentar.
Perto de fazer os onze anos, voltei a acompanhar o meu pai ao Ambriz quando ele lá foi acertar pormenores com o tal fazendeiro para a ta lobra que com esse contratara.
Aquilo deu brado pois teve o condão de despertar recordações na minha mãe aquando do meu primeiro acompanhamento paterno, no mês anterior, que não correra nada bem. Acusou o meu pai de não saber tomar conta de mim, ele vacilou e desculpou-se que eu queria ir, ela reforçou a acusação de incompetência de um pai que nem era capaz de tomar conta de um filho de onze anos, eu vi que assim não tirávamos dali a piroga e meti-me no assunto acusando-ada pouca sorte que tivera com a mãe que arranjara ao calhar-me logo a mim a fava de mãe.
Deixei-os com ela a resmungar e o meu pai a ouvir e calar, e fui tratar da minha vida. Dei ordens terminantes para ninguém naquela casa utilizar a minha bicicleta, e no outro dia metemo-nos à picada.
Na caixa da carrinha viajava um negro grandalhão que o meu pai se encarregara de subtrair às obras. Não via grande utilidade nisso,tão-pouco inconveniente até a precaução paterna me mostrar porquê.
Perto do meio dia parámos para fazer a refeição que a minha mãe preparara para nós: sandes de presunto, outras de queijo, e ainda outras de ovos estrelados. Uma garrafa de laranjada para mim e outra de vinho para ele.
O grandalhão saltou da carrinha, num ápice fez uma fogueira e deu em assar uma raiz de mandioca. Desliguei da refeição materna e da companhia paterna e fui ter com ele aperfeiçoar a sublime arte de assar mandioca. Negociei com ele a minha refeição pela raiz de mandioca, mas ele para manter incólume a honra africana, regateou a preceito. As minhas sandes e a garrafa de vinho do patrão e o negócio tinha pernas para andar.
Fiquei contentíssimo, fui ter com o meu pai e pedi-lhe a garrafa de vinho. Olhou para mim com um ar muito estranho mas eu dei-lhe as justificações para os fins a que se destinava, reforçou o olhar para mim ainda mais espantado como se visse um jacaré em cima das nossas mangueiras a comer-nos as mangas, não disse nada, vazou uma boa porção de vinho pela goela abaixo e deu-me a garrafa por mais da metade, que mais contente do que um pássaro após ter cativado a passarinha para o ninho, a correr fui entregá-la ao seu novo proprietário.
Mirou-a deveras comovido, meteu-a à boca e divorciou-se dela depois de bem vazia e escorrida.Voltou a olhar para mim emocionado e decretou que eu era o mono-chindele (filho do branco) mais porreiro deste mundo, e que o patrão também era bom branco mesmo.
Reencetámos a viagem com o meu pai conduzindo e eu e o grandalhão viajando na caixa da carrinha, com um comendo sandes de presunto, de ovos e queijo, e outro mandioca assada, com ambos notoriamente mais felizes e de bem com o mundo do que quando a viagem se iniciara.
E travando elevados diálogos em perfeito quimbundo sobremaneira esclarecedores sobre as vicissitudes da existência. Ele falando das mulheres dele, duas, umas inúteis que nem davam conta das lavras, e eu da minha mãe que já não sabia mais o que fazer com ela, Deus me desse paciência para a aturar.
O que o levou a concluir, olhando-me deveras pesaroso, que mulher, branca ou preta era toda igual.
Texto da autoria de: o cunhado