É preciso e é urgente Cuidar de quem Cuida...
Que vivemos tempos difíceis, ninguém duvida ou questiona...
Provavelmente, a palavra “crise” nunca foi tantas vezes proferida como nos últimos anos: faz manchete nos jornais, é motivo de abertura dos telejornais, dá azo a infindáveis debates televisivos, anda de “boca em boca”, “empurra” o povo para a rua, serve de desculpa e de justificação para (quase) tudo…
No entanto, importa perceber “o que é, afinal, isto da crise”!...
A que crise nos referimos?...
Uma perda de poder económico ou uma fragilidade de valores que sucumbem à pressão do ter e do haver em detrimento do ser?!...
Tomemos como base, para reflexão, o princípio da inviolabilidade da vida humana, emergindo a saúde como o seu bem mais precioso.
É amplamente difundido e parece consensual que “a saúde não tem preço”!...
Infelizmente, cada vez mais se constata que, esta máxima, encerra em si uma enorme falácia… a saúde sendo, efectivamente, um bem precioso, tem um preço cada vez mais elevado, tornando-se assim, cada vez menos acessível aos mais vulneráveis e dotados de fracos recursos económicos.
Os progressos das ciências médicas, verificados ao longo das últimas décadas, tiveram como consequência o prolongamento da vida (doenças que eram fatais, tornaram-se doenças crónicas).
O número de pessoas com mais de 65 anos, tem aumentado ano após ano, contribuindo para o acréscimo de doentes crónicos e dependentes.
Por outro lado a sociedade mudou, tal como a estrutura familiar.
Temos assistido a um decréscimo da natalidade, o que gera famílias nucleares, em contraponto às famílias numerosas de outrora.
Actualmente, é comum ambos os membros do casal trabalharem fora de casa, o que origina um problema gigantesco quando a doença bate à porta e é preciso alguém que cuide da mãe ou do pai doente e dependente.
Regra geral, é atribuída (leia-se, imposta) à mulher a função de cuidar, o que gera uma sobrecarga física e emocional, muito difícil de gerir.
As famílias vivem dramas inimagináveis, onde grassa o sofrimento, o desespero, o sentimento de impotência, de revolta, de abandono…
É urgente perceber a problemática que atinge esta geração sanduíche que tem filhos menores, que tem os pais dependentes a seu cargo e que, como se não bastasse, ainda lhes é exigido que exerça a sua profissão com empenho e dedicação.
Estas pessoas vivem em permanente conflito consigo próprias, sentem-se exaustas, no limiar das suas forças, completamente fragilizadas e abandonadas à sua sorte porque, na realidade, não existe qualquer apoio social para estas famílias que querem ser as melhores cuidadoras para aqueles que mais amam.
São, muitas vezes, incompreendidas e facilmente rotuladas de “famílias más, negligentes”, “que não querem cuidar dos seus idosos” e que, num derradeiro acto de desespero, os tentam “abandonar” num qualquer serviço de urgência, de um qualquer hospital público.
É fundamental que os profissionais de saúde tenham a capacidade de não cair na tentação de julgar levianamente com base em aparências e suspeitas que se revelam, inúmeras vezes, completamente infundadas e que traduzem, apenas, um pedido desesperado de ajuda e consubstanciam um acto de amor para com aqueles que mais amam e se encontram incapacitados de cuidar.
É essencial ter a sensibilidade e a coragem de querer ver para além do que parece óbvio e… é urgente cuidar de quem cuida e ajudar aqueles que querem cuidar mas não sabem e/ou não têm condições/competências para tal…