Há cerca de 6 anos, a TVI emitiu uma reportagem intitulada “órfãos de idade”, da autoria da jornalista Alexandra Borges, que retratava a triste e humilhante situação em que se encontravam muitos idosos residentes em “lares” clandestinos que proliferam, sem qualquer controlo, pelo país fora.
Hoje será apresentado o livro "Maus-Tratos a Pessoas Idosas", que reúne trabalho de vários autores e inclui vários temas (a tipologia dos maus tratos, estratégias de prevenção, detecção e intervenção, violência em contexto familiar e institucional, envelhecimento das pessoas com deficiência até ao suicídio nos mais idosos).
O tempo passa e, infelizmente, o fenómeno perdura...
O contexto actual, caracterizado por uma evidente fragilidade económica, que abrange várias franjas da sociedade, onde muitas famílias sobrevivem no limiar da pobreza, associado a uma profunda crise de valores, em que a importância atribuída aos bens materiais prevalece sobre o valor intrínseco do capital humano, potencia e amplia as situações de abandono e negligência.
A maioria dos idosos aufere pensões de miséria que os impede de viver condignamente e lhes restringe o acesso a cuidados de saúde e a bens essenciais. Muitos não têm qualquer suporte familiar, outros têm família que, apesar de demonstrar interesse e preocupação em lhes proporcionar bem-estar, se revela incapaz para lhes prestar os cuidados que eles necessitam e merecem, outros, ainda, têm famílias negligentes e criminosas que os maltratam (impunemente), que os mantêm subjugados e prisioneiros no seu próprio lar ou os abandonam em instituições de saúde.
Infelizmente, para muitos, o velho é aquela peça de mobiliário que passou de moda, que já não encaixa na decoração, por isso é colocado no “depósito”, que é o espelho de muitos lares, sobretudo os clandestinos, que florescem pelo país fora com a conivência dos familiares que, muitas vezes, se vêem obrigados a recorrer a estas “instituições” por falta de alternativa (longas listas de espera nas misericórdias ou carência económica que os impossibilita de aceder a lugares condignos) ou, pura e simplesmente, porque se querem livrar, a qualquer custo, do “estorvo” que têm lá em casa.
A intervenção da Segurança Social também deixa muito a desejar, resumindo-se, na maioria das vezes, a “acções de show off” que não dão resposta efectiva às necessidades das pessoas. Encerrar o lar, por si, só não resolve o problema, é preciso assegurar que os idosos são alojados em locais condignos com apoio adequado às suas necessidades. Infelizmente, o que acontece, inúmeras vezes, é que o idoso é entregue à família que não pode ou não quer cuidá-lo e que o abandona, de imediato, numa instituição de saúde.
Muitos idosos são condenados a uma morte (lenta e penosa) ainda em vida, votados ao esquecimento e ao abandono, sofrendo maus tratos psicológicos e, até mesmo, agressões físicas.
Os idosos são considerados improdutivos e consumidores de recursos, não constituindo, por isso, um valor acrescentado para a sociedade. A visão redutora e negativa do papel do idoso na sociedade parece encontrar fundamento e substrato no facto de se considerar uma pessoa com 50 anos demasiado velha para trabalhar (poucos são aqueles que ousam contratar um desempregado com idade superior a 50 anos).
Todos nós, certamente, ao longo do nosso percurso de vida, já tivemos conhecimento de alguma situação de maus-tratos a idosos, nomeadamente, revestida sob a forma de abandono, violência verbal ou, até mesmo, física… mas, quantos de nós, fingiram não perceber, decidiram ignorar, preferiram não se envolver, alegando que “isto não me diz respeito”, “trata-se de um problema cuja resolução não depende de mim”… a verdade é que, esta é uma situação que, diz respeito a TODOS nós, enquanto cidadãos e, por isso, temos a obrigação e o dever moral de nos envolver e pugnar para que esta cruel realidade se altere profundamente, restituindo aos idosos o direito inalienável a serem tratados como PESSOAS, com respeito, dignidade e humanismo, comportamento expectável de um país que se afirma democrático e tolerante, subscritor da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Compete ao governo implementar políticas efectivas de protecção social às pessoas idosas.
É função das escolas educar as gerações mais jovens, promovendo a tolerância e o respeito pelos idosos e o reconhecimento da mais-valia que o seu saber acumulado representa.
Também os profissionais de saúde têm um papel importante a desempenhar que consiste em educar/informar sobre o processo de envelhecimento, explicando às famílias que é um acontecimento natural e expectável, de evolução gradual, associado a dependência funcional e a declínio cognitivo, onde podem surgir, com alguma frequência, alterações comportamentais com marcado egocentrismo.
É preciso consciencializar a sociedade de que a evolução natural do ciclo vital culmina na velhice e que o envelhecimento é um fenómeno que atinge todas as pessoas (exceptuando as que morrem prematuramente devido a doença, acidente, etc.).
Uma sociedade que não respeita e não trata os seus velhos com dignidade e humanismo é uma sociedade desprovida de valores, uma sociedade sem futuro, condenada à “extinção”…