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Liberdade aos 42

Liberdade aos 42

30
Out20

A Liberdade de... Cátia Adriano


Fui convidada pela MJP para escrever um texto sobre a liberdade para ser publicado no seu blog. Senti-me lisonjeada, claro, mas também com receio de não estar à altura do desafio. A ver vamos…

Quando me pus a pensar sobre o tema liberdade e o que poderia escrever sobre o mesmo, mil ideias me vieram à ideia, passo a redundância. 

A expressão que mais ocorre, a mim e a todos, será o clássico “a nossa liberdade termina quando afecta a liberdade dos outros”, é verdade, mas também uma utopia.

Fugindo um bocadinho a este clássico, ocorre-me falar exatamente do oposto da liberdade. E quando não há liberdade? E não me refiro a clausura, de todo. Abordando aqui um tema que me toca em particular, a falta de liberdade de comunicar, de acessibilidade e de integração da comunidade surda. E muito tem evoluído nos últimos tempos com as conferências de imprensa diárias da DGS, sobre o estado de evolução da pandemia, em que estão sempre presentes tradutores de Língua Gestual Portuguesa (LGP). Assim como também já é possível chamar o 112 em LGP. Agora um quadradinho num canto da televisão em alguns programas é só “gozar” com a comunidade surda. Ainda assim são pequenos passos que espero se tornem grandes.

Para que se saiba desde 1997, a Língua Gestual Portuguesa passou a ser uma das línguas oficiais de Portugal, juntamente com a Língua Portuguesa e o Mirandês. Reconhecida nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa, “na realização da política de ensino incumbe ao Estado (...) proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades”. Sendo a LGP uma língua oficial está previsto que passe faseadamente a ser ensinada nas escolas, mas até à data nada acontece. 

Isto é tudo muito bonito no papel, mas a realidade está muito longe disto.

Um surdo não tem a liberdade de acesso livre a coisas tão simples como ir a um qualquer serviço público, Finanças, Segurança Social, Instituto Emprego, Centro de Saúde, etc. sem ter de levar consigo um tradutor de LGP, que tem custo, claro. Uma ida a uma urgência hospitalar é quase um drama. Estamos a falar de integração, de acessibilidades, algo de que tanto se fala nos dias de hoje. Nestas situações a liberdade não existe, existe até discriminação. Vale à maioria dos surdos a capacidade de leitura labial ou de escrever para comunicar, mas a liberdade essa não é uma realidade. Um surdo tem o direito a ter uma vida autónoma, a constituir família, e a poder sustentar a vida que escolheu. Mas e o acesso ao ensino básico, ao ensino superior e arranjar trabalho? Aqui a liberdade é também uma utopia. As vagas são limitadas em número e em opções. Embora já haja instituições que aceitam trabalhadores surdos, uma delas onde a minha filha trabalha. 

Já para não falar de uma simples ida ao supermercado ou a uma qualquer loja. Imaginem um surdo numa loja de roupa, por exemplo, a tentar saber se determinada peça existe no tamanho pretendido caso não esteja no expositor, como qualquer um de nós faz com a maior naturalidade. 

As acessibilidades não existem o que para mim corresponde a falta de liberdade. 

Quando a minha filha ficou surda, por desconhecimento de causa, por imaturidade minha e do pai, nesta altura pais de primeira viagem, a ser abalroados por um sem fim de complicações de saúde da nossa filha, entre eles a surdez, não tivemos liberdade de escolha. De imediato o caminho a seguir, por conselho médico, foi colocação de próteses auditivas e mais tarde o implante coclear. Nunca nos foi mostrado outro caminho. A surdez não é o fim do mundo, afinal tínhamos a liberdade de escolha da integração na comunidade surda, da comunicação em LGP. 

Que a liberdade seja um direito de todos e para todos é o que mais desejo.

 

Texto da autoria de: Cátia Adriano

 

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